Tolerar o intolerável
Dra. Regiane Glashan*
De início o relacionamento do casal parece um sonho com nuances de contos de fada e o desejo de ser assim para sempre.
As frases de amor fazem parte do cotidiano e o famoso "eu te amo, eu te adoro" parecem inundar o coração dos amantes.
Para alguns casais isso pode mudar com o tempo e esse carinho se transformar de maneira clara ou mascarada em "eu não te tolero mais, eu não te suporto e eu não gostaria de ficar com você até que a morte nos separasse".
Em meio ao sofrimento e ao emaranhado de sentimentos dolorosos e conflitantes a solidão emerge como uma sóbria e avassaladora inimiga.
É importante o casal não deixar a relação chegar ao extremo do desafeto e, para tanto, manter um termômetro por perto pode ser de grande valia.
Quando algo na relação não vai bem, rever atitudes e soluções pode ajudar muito o casal a não chegar ao intolerável.
Quantos casais, por comodismo ou medo da solidão e do desamparo, ficam presos na teia do próprio casamento, deixando que as armadilhas os aprisionem cada vez mais.
Uma constatação interessante, no acompanhamento de casais, é que um parceiro em situação de estresse sempre critica o outro no sentido de desprezá-lo, desqualificá-lo e de feri-lo. Isso não quer dizer que ele não ame seu companheiro ou companheira. O estresse relacional pode nos deixar cegos, atônitos, insensíveis e com pouco senso de reciprocidade.
Numa situação como essa o maior perigo é o cônjuge em desafeto tentar convencer o outro de que ele está certo e que quem precisa mudar ou se adaptar é ele. Quando isso encontra os parceiros, que lá no passado juraram amor eterno, a mágoa e a raiva se instalam e a comunicação se torna deturpada e destorcida.
O estresse relacional nos empurra para um abismo sem fim e a intolerância de se considerar correto e infalível não facilita o processo de regulação da convivência a dois.
Os ajustes relacionais não são direcionados somente a um dos parceiros e sim ao casal, de maneira a adequar as diferenças e descobrir caminhos para resgatar a tolerância, o bom senso e as experiências que ajudaram os companheiros de jornada a estarem juntos através dos tempos de convivência.
Para alguns casais questões irredutíveis e muito pouco dialogadas são levadas para dentro do casamento repercutindo de forma exacerbada e incontestável, tais como: diferenças religiosas, conflitos de ordem moral (aborto, preconceito racial, etc.), finanças, adição, maneira de educar os filhos, e outras não menos importantes. Essas questões que anteriormente podiam ser deixadas de lado, agora entorpecem e dificultam a engenharia das engrenagens afetivas e penitenciam os parceiros com o afastamento emocional e físico.
O fato é que aquilo que não é conversado e "amaciado" dentro da relação afetiva do casal gera conflitos, intolerância e indisposição para acertar os ponteiros da conjugalidade.
Acreditar que as coisas vão melhorar por si só é adiar a resolução de problemas e permitir que a austeridade pessoal não flexibilize escolhas mais adaptáveis ao casal.
Quando algo não vai bem dentro da relação afetiva é preciso que o parceiro afetado realize uma autorreflexão e analise seus anseios, desejos e as perspectivas futuras - conhecer seus limites e possibilidades pode fazer toda a diferença na hora de reciclar o intolerável em amor, respeito e cumplicidade.
* Terapeuta Familiar - Casal - Individual, ênfase na relação mãe-bebê. Especialista-Mestre-Doutora-Pós-Doutora pela UNIFESP, Fellow Universidade Pittsburgh - USA. Site: www.terapeutadebebes.com.br
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