Que pais vocês desejam ser para os seus filhos?
Dra. Regiane Glashan*
Parte I
Em nosso Curso de Educação Parental, me deparei com o senhor Pedro, que após algumas conversas no grupo, chegamos à conclusão que ele era um tipo de pai que faz de tudo para seus filhos, porém na hora de impor limites claros e ser firme, a "cadeira escorrega" e ele fica com medo de perder o amor dos filhos. Demonstra ser muito amigo e companheiro, mas, por vezes, tem muita dificuldade em identificar os sentimentos de seus filhos e até mesmo questioná-los: "Me parece que você está triste hoje!". Pedro tem a crença de que falar sobre os sentimentos "desconfortáveis" poderia estimular comportamentos/sentimentos depressivos ou nada assertivos, como: raiva, tristeza e frustração. Alguns pais, como o Pedro, acreditam que falar sobre sentimentos "negativos" podem impedir a criança de andar para frente e a estimularia a se tornar uma perdedora - é o que podemos chamar de pais SIMPLISTAS.
Os pais simplistas não nasceram simplistas, certamente, eles aprenderam a negar as emoções desconfortáveis com seus pais. Muitas dessas crianças nasceram em lares punitivos e muitos críticos, onde os padrões de exigência poderiam ser elevados demais. Além do mais, conflitos, nessas famílias, costumavam ser jogados para debaixo do tapete e a frase "não se fala mais nisso" era uma regra. Portanto, é como um efeito dominó: "negávamos antes e eu continuo mantendo o padrão aqui com meus filhos também".
Por outro lado, encontramos pais do tipo simplista em famílias onde esses pais foram criados de maneira negligente, relapsa e pouco afetiva. Ao oposto dos pais acima, os pais advindos de famílias pouco afetivas podem tentar compensar o desamor obtido no passado, impedindo que seus filhos sofram - coibindo frustrações, tristeza e decepções o tempo todo. Para esses pais, o mundo para seus filhos não pode ser imperfeito. Com o tempo, os filhos se tornam intolerantes, autoritários e manipuladores. É o que na atualidade conhecemos por "reizinhos do lar" (os pais e irmãos são seus súditos).
Assim como Pedro, durante a roda de conversa, Cristiane se identificou como uma mãe do tipo DESAPROVADORA. De início, ela disse que estava em dúvida entre ser uma mãe simplista (algumas vezes também negava os sentimentos desconfortáveis dos filhos), mas depois se identificou como crítica, pouco empática em relação aos sentimentos dos filhos e, por vezes, já se viu banalizando os sentimentos de tristeza e de medo de seus filhos. Em seu depoimento, comentou que reprendia as crianças quando elas sentiam algum tipo de medo, tristeza ou raiva. Fazia até algumas piadas dos sentimentos das crianças.
Cristiane comentou, durante o curso, que certa vez seu filho de 4 anos preferiu não querer ir num brinquedo "emocionante" na Disney após ela e seu esposo terem ficado na fila por três horas. Ela nem pensou, brigou muito com a criança, a humilhou por seu comportamento medroso e ainda de quebra deu-lhe uns bons tapas (em público). Comentou ainda: 'Eu até admitiria se ele tivesse medo de ir numa montanha russa de adulto, mas a que estávamos na fila era para crianças!". Para esses pais, os sentimentos são primeiro avaliados pelos pais e depois se eles derem anuência, serão "sentidos" pelos filhos.
Outro pai, do tipo desaprovador, ressaltou que não costuma cair na lábia de seus filhos, principalmente quando eles choram. O choro, nesse caso, é visto como um sinal de manipulação e para chamar a atenção. As lágrimas dos pequenos são vistas, por esse pai, como uma disputa de poder: "Eles choram para obter algo de mim - antes que isso aconteça e eu me sinta manipulado ou encurralado eu solto um bom e alto "Não" e os coloco no devido lugar!". "Posso até ficar com raiva, mas não cedo às chantagens das crianças - É mais fácil eles manipularem a mãe!".
Os pais desaprovadores assim como os simplistas têm medo de perder o controle das emoções e depois não saber o que fazer com elas. Não é infrequente, os pais desaprovadores repreender ou castigar um filho por ele demonstrar emoções do tipo "mulherzinha": medo, tristeza, decepção, retraimento, etc. Esses pais castigam seus filhos para que eles cresçam sabendo enfrentar a vida e se tornem "durões" e neguem as emoções que possam trazer alguma vulnerabilidade.
Os filhos de pais simplistas e de pais desaprovadores apresentam algo incomum: a dificuldade em confiar no próprio julgamento, pois seus sentimentos são pouco qualificados ou trazidos à tona e a autoestima costuma ser abalada. Isso sem falar na própria capacidade de fazer a autorregulação emocional, no poder em manter a concentração, o aprendizado, em manter amizades, sentimentos intrínsecos de humilhação, abandono, abuso e baixa inteligência emocional.
Se você gostou desse artigo, continue conosco, pois a semana que vem vamos falar sobre os pais "deixe que façam" e os pais que preparam emocionalmente seus filhos para a vida.
FINAL
No artigo da semana passada comentávamos sobre um Curso de Educação Parental que eu havia promovido e que nesse curso tínhamos identificado alguns tipos de pais e o que cada tipologia poderia repercutir na saúde mental dos filhos. Em resumo, percebemos que tanto os pais Simplistas como os pais Desaprovadores podem desenvolver filhos com dificuldade de autorregulação emocional, inseguros, dificuldades estudantis, sentimentos de humilhação, abandono entre outros. Comentamos que costumamos fazer algumas listas com características que os pais acham que devem ter para educarem seus filhos com propriedade.
Durante a confecção de uma dessas listas, Simone, mãe de duas filhas de 3 e 7 anos fez questão de colocar na lista que os pais devem sempre levar em consideração os sentimentos dos filhos e serem empáticos. Comentou que qualquer expressão de sentimento deveria ser visto como natural e aceitável (amor, alegria, tristeza, raiva, ira, etc.). Durante o processo ela confidenciou que muitas vezes não sabia o que fazer quando uma de suas filhas tinha uma crise de birra. Ela costumava deixar a menina "expressar" seu descontrole até ela se cansar e correr para os braços da mãe. Debora (outra mãe do curso) também se identificou com Simone e comentou que se sentia muito permissiva e quando sua filha de 6 anos chorava, incondicionalmente, após um amiguinho tirar seu brinquedo. Ela ficava sem saber o que fazer, sem saber como confortá-la ou acalmá-la de maneira eficiente e amorosa.
Pais como Simone e Débora poderiam ser classificados como pais do tipo "DEIXE que FAÇAM". No fundo são pais inseguros quanto ao que ensinar aos filhos no quesito emocional. Sabem que amam seus filhos, porém sentem dificuldade em traduzir o repertório emocional para as crianças. Simone diz que não tolera quando está no parque e percebe que uma criança é agressiva com sua filha - sente-se magoada e entristecida. Todavia, quando lhe perguntei como ela reagia com a filha nesses momentos, ela confidenciou que só consegue dizer a filha que a ama, mas não consegue falar sobre o comportamento da outra criança com sua filha e como ela poderia estar se sentindo e o que poderia ser feito. Simone não consegue ajudar sua filha na resolução de problemas com o coleguinha.
Assim como os estilos simplistas e desaprovador, o tipo "Deixe que façam" pode ter sua origem em famílias com histórico de abuso, incapacidade de expressar raiva e frustração. Debora comentou que seus filhos poderiam sempre que quisessem gritar, berrar e dizer que não gostam de algo. Que eles não teriam a mesma criação dela. Por outro lado, sente que perde o controle da situação, não consegue ser firme e acaba por gritar, bater e colocar de castigo. Debora percebe que não consegue conversar com sua filha, entender o que acontece por trás de um comportamento inadequado e que a birras de sua pequena faz ela se lembrar do quanto ela foi reprimida em sua infância - do quanto ninguém se preocupava com o que ela sentia. Debora percebe que também não sabe lidar com os sentimentos de sua filha e apoiá-la.
Os pais "Deixe que Façam" aceitam as emoções dos filhos mas não os preparam para lidar com elas. Assim como as demais crianças filhas de pais dos tipos simplistas e desaprovadores, as crianças não aprendem a autorregulação emocional, não sabem se acalmar quando estão irritadas e tristes. Consequentemente, são crianças que também podem desenvolver problemas de aprendizado, e comportamento na escola e de habilidades para fazer amigos.
Bom, vocês devem estar se perguntando: "Será que existe pais assertivos"? SIM!
Paulo, pai de um menininho de 8 anos, disse que amava seu filho acima de todas as coisas, não costumava ridicularizar ou menosprezar os sentimentos de seu filho e não tinha por habito julgar o seu filho - apenas orientá-lo quando percebia que ele apresentava algum tipo de dificuldade. Assinalou ainda que não recriminava seu filho quando ele errava em algum aspecto, mas sim, aproveitava o "erro" como uma forma de trabalhar o aprendizado. Comentou que fez terapia por um bom tempo e que se sentia apto para reconhecer suas emoções e as emoções de seu filho e ajudá-lo com elas. Pois bem, esse pode ser um exemplo de pai do tipo PREPARADOR EMOCIONAL.
Paulo referiu que quando se sente indignado com algo, ele canaliza sua irritação de maneira salutar em vez de gritar ou brigar. Deu exemplo de sua indignação com a conta de água elevada: "Ao receber a conta não gritei e nem xinguei - esse não é o exemplo que eu quero dar ao meu filho". "Peguei a conta e fui até a empresa de saneamento requerer calmamente os meus direitos!". "Sei que não é fácil, mas é assim que quero educar meu filho".
Algumas vezes, Paulo comentou conosco que seu filho fica triste e não sabe referir a causa. Paulo diz que costuma sentar com ele na poltrona e tentam juntos entender o que poderia estar causando o sentimento, como ele poderia ajudá-lo e como poderiam descobrir uma solução. Esse pai, certamente, está ajudando seu filho a fazer regulação emocional e a perceber que não existe emoções certas ou erradas - simplesmente existem emoções.
Os pais do tipo "Preparadores Emocionais" conseguem entender as emoções das crianças, acolhe-las e darem o suporte que elas precisam e não impedir que elas sintam ou expressem-nas. Isso é regulação empática!
Nesse contexto, o psicólogo e escritor Haim Ginott costumava dizer: "Embora, todos os sentimentos e desejos sejam aceitáveis, nem todos os comportamentos o são!". Daí a necessidade de regras e limites claros para as crianças. Pais "Preparadores Emocionais" ajudam seus filhos a lidar com os riscos e os desafios futuros.
Que tipo de pais vocês desejam ser para o filho de vocês?
* Terapeuta Familiar - Casal - Individual, ênfase na relação mãe-bebê. Especialista-Mestre-Doutora-Pós-Doutora pela UNIFESP, Fellow Universidade Pittsburgh - USA. Site: www.terapeutadebebes.com.br. Instagram: @terapeutadebebes_familia
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